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Setembro Amarelo: Vamos falar sobre suicídio?

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Por @giorgiabarreto

Era um dia normal, todos no colégio estavam animados para o 21º JILC (Jogos Interclasse do Liceu Cuiabano), era um momento pelo qual nós estudantes esperávamos o ano todo. Essa ansiedade era ainda maior para os alunos que faziam parte do Grêmio Estudantil, responsável pela organização do evento juntamente com a direção do colégio. Éramos uma equipe pequena, apenas 7 pessoas, dentre elas eu e o César.

Estudávamos juntos desde a 5ª série e desde então éramos amigos inseparáveis, estávamos sempre juntos nos bons e maus momentos, dos grupos de estudos às peraltices e claro… ao chegar no ensino médio, que na década de 90 chamávamos de 2º grau, encaramos juntamente com mais 5 amigos, não menos inseparáveis que nós o desafio de tocar o Grêmio estudantil por 2 anos.

Era manhã de domingo, todos do Grêmio estavam muito animados para a finalização dos preparativos do JILC. Passamos o dia dedicados a esse propósito, pois queríamos que aquele fosse o melhor JILC de todos os tempos do colégio, entraríamos para história como a melhor equipe do Grêmio Estudantil do Liceu Cuiabano e de fato entramos, mas infelizmente não pelo motivo que desejávamos.

Era aproximadamente 8 horas da noite, quando finalizamos tudo. A abertura dos jogos na segunda à tarde seria gloriosa e todos estávamos muito orgulhosos do nosso trabalho. Fechamos o ginásio e já nos despedíamos quando Cesar, disse que havia esquecido algo lá dentro, perguntei se queria que eu o esperasse e ele disse que não, que mais tarde me ligaria como de costume.

Mas para minha surpresa, tristeza e dor, a ligação recebida foi do zelador do colégio foi do zelador do colégio, dizendo que Cesar havia se jogado do piso superior do ginásio, a princípio não conseguia compreender o que estava acontecendo e perguntei: – Mas ele está machucado, levaram-no para o hospital? Seu Eusebio com a voz tremula e embargada responde: – Ele, ele, ele está morto. Os bombeiros tentaram salvá-lo, mas não conseguiram. Sentei-me atônita sem entender ou acreditar, como aquilo pudera acontecer, a menos de 1 hora ele me abraçara e dizia que me ligaria.

Quase 30 anos se passaram e ainda não acredito como aquilo pode acontecer, a perda do meu amigo de infância é algo irreparável até hoje. Como um menino saudável, aparentemente alegre, esportista, de boa família, e outros tantos atributos de vida feliz poderia ter se matado? Me perguntava todos os dias (e confesso ainda pergunto) como não vi os sinais, por que não o ajudei?

Enfim muitas perguntas giravam em minha cabeça. O fato é que assim como Cesar muitas pessoas aparentemente “felizes” cometem suicídio, e por isso é de suma importância que falemos aberta e francamente sobre isso para evitá-lo.

De acordo com Humberto Correa[1] atualmente o suicídio é um dos principais problemas de saúde pública e suas repercussões são graves tanto em nível social quanto familiar. Cerca de 800 mil pessoas morrem por suicídio todos os anos no mundo, mais do que todas as mortes provocadas por guerras e homicídios. E mais grave ainda: é a segunda causa de morte entre jovens com idade de 15 e 29 anos.

No Brasil, estima-se cerca de 12 mil suicídios a cada ano (número certamente subestimado) com taxas crescentes particularmente em homens jovens onde se observou um aumento de 30% nas últimas duas décadas. Entre os homens, no Brasil, o suicídio é a terceira causa de morte na faixa etária que vai de 15 a 29 anos, seguida dos homicídios e dos acidentes automobilísticos.

Diante das estatísticas nos perguntamos quais seriam os motivos que levam alguém a tirar a própria vida. Inúmeras pesquisas afirmam que o suicídio é o resultado de um estado depressivo, que pode ser causado por inúmeros gatilhos internos e externos.

A pessoa não quer se matar de fato, mas sim acabar com a dor emocional que sente, tirando a própria vida como uma decisão extrema de fugir do que é considerado um problema sem solução. Infelizmente apesar dos índices alarmantes e cada vez mais altos, o assunto ainda é considerado um tabu para muitas pessoas. Mas, se o problema é tão grande assim, por que não falamos sobre prevenção ao suicídio?

O suicídio pode atingir pessoas de qualquer faixa etária, incluindo crianças, mas é um ato evitável e falar sobre ele é a melhor forma de preveni-lo. A promoção do diálogo e a compreensão das razões que levam alguém a tirar a própria vida podem reverter esse quadro, é preciso também ter atenção redobrada a qualquer mudança de comportamento.

Há mais de 50 anos o Centro de Valorização da Vida (CVV), vem atuando no Brasil na prevenção de suicídios oferecendo aconselhamento de maneira gratuita. Desde 2015, o país aderiu ao movimento Setembro Amarelo, a campanha teve início no Brasil, em 2015, pelo Centro de Valorização da Vida (CVV), Conselho Federal de Medicina (CFM) e Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP), em Brasília e depois se difundiu pelo país. Criada em 2003 pela Organização Mundial da Saúde (OMS), que instituiu o Dia Mundial da Prevenção do Suicídio no dia 10 de setembro.  

O movimento surgiu com o objetivo de dar visibilidade à temática do suicídio e se inspirou na história de Mike Emme, que em 1994 cometeu suicídio, com apenas 17 anos nos Estados Unidos.

O jovem era conhecido por sua personalidade carinhosa e habilidade mecânica, tendo como sua marca um Mustang 68 que ele mesmo restaurou e pintou de amarelo. Infelizmente nem sua família, nem seus amigos perceberam os sinais de que ele pretendia tirar sua própria vida. Em seu funeral, os amigos montaram uma cesta de cartões e fitas amarelas com a mensagem: “Se precisar, peça ajuda”. A ação ganhou grandes proporções e expandiu-se pelo país.

Ha muitas similaridades entre a história de Mike e a de Cesar, meu amigo de infância, inclusive o ano em que cometeram suicídio. Mas… quais sinais devemos identificar para evitar que mais pessoas tirem a própria vida? Segundo estudo da OMS apenas 2% das pessoas que cometeram suicídio não possuíam um transtorno mental, como transtorno de humor, esquizofrenia, transtornos de personalidade e neuroses; 5% são dependentes químicos (álcool e outras substâncias). Além fatores de risco, sugere-se atenção aos fatores socioculturais. Para ajudar na detecção de sintomas a OMS enumerou alguns dos sintomas que devem ser acompanhados e levados a sério:

  • tristeza persistente;
  • postagens relacionadas a suicídio ou depressão profunda nas redes sociais;
  • perda de interesse em atividades que antes davam prazer;
  • fadiga e falta de energia;
  • mudanças nos hábitos alimentares ou de sono
  • irritabilidade;
  • odiar-se, apresentar sentimento de culpa, sentir-se sem valor ou com vergonha por algo;
  • ter um desejo súbito de concluir afazeres pessoais, organizar documentos, escrever um testamento;
  • apresentar comportamento retraído, dificuldades para se relacionar com família e amigos;
  • histórico de negligência ou abuso na infância;
  • não aceitação do envelhecimento;
  • término de relacionamentos;
  • não aceitação da orientação sexual ou identidade de gênero;
  • ter casos de doenças psiquiátricas como: transtornos mentais, transtornos de humor (depressão, bipolaridade), transtornos de comportamento pelo uso de substâncias psicoativas (álcool e drogas), transtornos de personalidade, esquizofrenia e ansiedade generalizada;
  • choro sem razão aparente;
  • ideias de morte;
  • ter doenças físicas crônicas, limitantes e dolorosas, doenças orgânicas incapacitantes como dores, lesões, epilepsia, câncer ou AIDS;
  • expressar a intenção suicida com agitação, culpa, desesperança ou com restrição de interesses e sentimento de inutilidade.

A melhor forma de evitá-lo é detectar quando a possibilidade existe e agir a tempo, por isso conhecer esses sinais contribui muito para a prevenção. A grande maioria das mortes por suicídios podem ser evitadas e o diálogo sobre o assunto é o melhor jeito de fazer isso.

Você deve estar se perguntando, como posso ajudar essas pessoas com comportamentos suicidas? A principal medida é não fazer com que o problema pareça uma bobagem ou algo trivial. Não dê falsas garantias nem jure segredo, procure ajuda imediatamente. Segue algumas dicas do CVV:

  • ouvir, demonstrar empatia e ficar calmo;
  • ser afetuoso e dar o apoio necessário;
  • levar a situação a sério e verificar o grau de risco;
  • perguntar sobre tentativas de suicídio ou pensamentos anteriores;
  • explorar outras saídas para além do suicídio, identificando outras formas de apoio emocional;
  • conversar com a família e amigos imediatamente;
  • remover os meios para o suicídio em casos de grande risco;
  • contar a outras pessoas, conseguir ajuda;
  • permanecer ao lado da pessoa com o transtorno;
  • procurar entender os sentimentos da pessoa sem diminuir a importância deles;
  • aceitar a queixa da pessoa e ter respeito por seu sofrimento;
  • demonstrar preocupação e cuidado constante; e
  • principalmente, não deixe a pessoa sozinha em momentos de crise nem a julgue por seus atos.

Além dessas ações é de suma importância recorrer às instituições de apoio como o CAPS (Centro de Atenção Psicossocial), Unidades de Saúde da Família, clínicas, consultórios psicológicos, urgências psiquiátricas e os centros de apoio emocional: CVV (Centro de Valorização da Vida), ligue para o 188. Por fim, vale a ressalva da importância da terapia nesse momento delicado, seja ela com psicólogo ou psicanalista, ambos são capacitados a acolher as pessoas em situação de risco.

Giorgia Barreto, é psicanalista e terapeuta integrativa.
Instagram: @giorgiabarreto
WhatsApp: (61) 99981-0233


[1] Presidente da Associação Mineira de Psiquiatria, da Associação Brasileira para o Estudo e Prevenção do Suicídio e da Associação Latino-Americana para a Prevenção do Suicídio.

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