Audiência pública discute implantação oficial da Rua do Lazer em uma das regiões mais dinâmicas e populosas do DF; divergências entre moradores e administração revelam diferentes visões sobre o uso dos espaços públicos
Águas Claras, é conhecida pelo dinamismo, pelos prédios altos, pela vida urbana intensa, tanto de dia quanto à noite. O crescimento acelerado, no entanto, vem acompanhado de desafios constantes na convivência entre os interesses de lazer, mobilidade e qualidade de vida de seus moradores.
Nesse cenário, a proposta de criação oficial da rua do lazer reacendeu debates, muitas vezes acalorados na comunidade. O projeto, que já teve edições pontuais e informais, busca destinar um trecho de via pública para atividades de recreação, esportes e convivência aos domingos e feriados. A ideia, inspirada em modelos como o Eixão do Lazer, no Plano Piloto, divide opiniões e levanta questionamentos sobre barulho, impacto no trânsito e escolha do local e das atrações ideias.
Para discutir o tema, foi convocada na última quarta 22 uma audiência pública, que aconteceu na Faculdade Unieuro, em Águas Claras. O evento foi convocado pelo Administrador Regional de Águas Claras, com base no artigo 42 do Regimento Interno das Administrações Regionais do DF e no Decreto nº 43.485/2022.
Segundo a Assessoria de Comunicação da Administração, o objetivo do encontro foi “apresentar e discutir com a comunidade a escolha do espaço público destinado à implantação da Rua do Lazer, assegurando ampla divulgação das informações e possibilitando o exercício da cidadania na fase de planejamento urbano”.
A audiência foi conduzida pela servidora Daniele Souza e presidida pelo administrador Gilvando Galdino Fernandes. O evento contou com representantes do Detran-DF, da Polícia Militar, da Secretaria de Segurança Pública, do Conselho de Segurança (Conseg) e do Corpo de Bombeiros. Durante o encontro, a população pôde expor opiniões favoráveis e contrárias à proposta.
De acordo com a ata oficial, “por maioria de votos, contabilizando os votos presenciais e online, ficou definida a aprovação da criação da Rua do Lazer, com ressalva da posterior definição do local”. A decisão prevê novas reuniões com os moradores para definir o espaço ideal, garantindo, segundo o documento, “harmonia e equanimidade do uso público na comunidade local”.
Moradores divididos entre entusiasmo e cautela
Entre os moradores, há tanto apoio quanto apreensão. O morador Daniel Maranhão, que participou das versões experimentais do evento, acredita que a proposta é positiva para o bairro.
“Sou completamente a favor, principalmente por já se tratar de uma via de pouca utilização. A experiência que tive foi muito boa, tanto quanto à segurança quanto ao respeito aos limites do horário de silêncio”, afirmou. Se referindo a avenida Boulevard norte, entre a Avenida Parque Águas Claras e a Rua das Paineira, onde as edições anteriores ocorreram.
Daniel reconhece que não estava ciente das divergências que motivaram a audiência pública, mas defende que o projeto, se bem estruturado, pode se tornar um ponto de encontro para lazer e cultura. “Acredito que seria mais um ponto de lazer e diversidade cultural. Isso ajudaria o comércio local e fortaleceria a convivência entre os moradores.”
Para ele, o poder público deve garantir organização e fiscalização. “Ela pode ser organizada fechando um trecho de pouca movimentação. O Eixão no Plano Piloto é fechado todos os domingos e funciona bem. O importante é seguir a lei e respeitar os limites sonoros”, completou.
A Associação de Moradores de Águas Claras (AMAAC), representada por seu presidente Roman Dario Cuattrin, também se posiciona favoravelmente à criação da Rua do Lazer, mas faz ressalvas sobre o local onde o evento vinha sendo realizado e sobre a condução do processo.
“A Rua do Lazer é uma obrigação legal, conforme o Decreto nº 43.485. Muitos administradores têm negligenciado essa realização, que deveria acontecer aos domingos e feriados. Somos extremamente favoráveis à implantação, mas não onde tem sido realizada, um lugar sem infraestrutura e sem comércio nas proximidades”, afirmou o presidente da associação
A AMAAC defende que a Rua do Lazer seja instalada na Boulevard Sul, entre as ruas Pitangueiras e Buritis, por ser uma área central, com infraestrutura adequada e capaz de gerar benefícios ao comércio local, com pouco impacto no trânsito. “A implantação onde sugerimos traria ganhos para o comércio e impactos quase imperceptíveis para o trânsito. Serviria para a população usar efetivamente a Praça Condor. A Rua do Lazer propicia a prática de caminhada, skate, apresentações culturais e artesanato. É um espaço para convivência comunitária, não para grandes shows”, explicou.
Romàn também criticou a forma como a administração tem conduzido o processo. “A AMAAC não foi formalmente convidada. Fazer um evento pet uma vez por ano e chamar isso de Rua do Lazer é desdenhar da inteligência dos cidadãos. A Rua do Lazer tem que ser todo domingo, para realmente cumprir seu propósito”, destacou o presidente.
A audiência e as manifestações revelam um dilema cada vez mais presente em Águas Claras: Como equilibrar o desejo por convivência e lazer com o direito ao sossego e à mobilidade?
Mesmo com a aprovação preliminar da iniciativa, muitos pontos seguem indefinidos, como o local exato, os horários e a estrutura da Rua do Lazer. A Administração Regional informou que “questões relacionadas ao trânsito, segurança e infraestrutura serão tratadas com apoio dos órgãos envolvidos” e que “o Detran-DF está participando ativamente das discussões”.
Enquanto os próximos passos são debatidos, o episódio reflete mais do que uma disputa pontual. Ele simboliza o esforço de uma cidade em busca de identidade coletiva. Águas Claras, moderna e vibrante, tenta agora conciliar a pressa de seu crescimento com o tempo que o lazer e a convivência exigem.
