Campanha destaca prevenção, acolhimento e o trabalho de profissionais e instituições que atuam na defesa das mulheres com câncer de mama
Outubro é o mês dedicado à conscientização sobre o câncer de mama e, em Águas Claras, a campanha ganha rostos, histórias e ações que reforçam a importância da informação, da prevenção e do acolhimento. O movimento Outubro Rosa une pacientes, profissionais da saúde, advogados e voluntários em uma rede de solidariedade que tem transformado vidas.
De acordo com o Instituto Nacional de Câncer (Inca), o câncer de mama é o segundo tipo mais frequente no mundo, representando cerca de 23% dos novos diagnósticos registrados entre todas as formas da doença. No Brasil, estima-se a ocorrência de 704 mil novos casos oncológicos no período de 2023 a 2025, sendo 74 mil por ano apenas de câncer de mama.
No Distrito Federal, a Secretaria de Saúde (SES-DF) registrou 13 mil mamografias apenas no primeiro semestre de 2025, um aumento de 21,8% em relação ao mesmo período de 2024. O número reflete um avanço importante na busca pelo diagnóstico precoce, principal arma para reduzir a mortalidade e aumentar as chances de cura.
Acolhimento e prevenção: o trabalho da ABAC Luz em Águas Claras
Há 27 anos, a Associação Brasiliense de Apoio ao Paciente com Câncer (ABAC Luz), com sede em Águas Claras, atua como referência em diagnóstico precoce, acolhimento e amparo emocional às mulheres em tratamento oncológico no Distrito Federal. A instituição foi idealizada por Magdahil Carvalho de Noronha, que, durante o próprio tratamento contra o câncer de mama em São Paulo, conviveu com pacientes em situação de vulnerabilidade e sentiu a necessidade de criar uma rede de apoio.

O projeto ganhou força com a fundação da entidade pela oncologista Dra. Luci Ishii, presidente de honra da associação e profissional com mais de 40 anos de carreira, que transformou a indignação diante das falhas do sistema público em um trabalho contínuo de solidariedade e esperança. “Percebemos que muitas mulheres chegavam aos hospitais com tumores avançados simplesmente porque não sabiam por onde começar. Elas enfrentaram longas filas, desinformação e, muitas vezes, desistiam antes mesmo de conseguir o diagnóstico. Foi por isso que criamos a ABAC Luz, para encurtar o caminho entre a suspeita e o tratamento”, explica a médica.
A instituição oferece exames gratuitos como mamografia, ecografia, biópsia, imunohistoquímica, tomografia e exames pré-operatórios, garantindo que as pacientes iniciem o tratamento em tempo hábil. “Enquanto a fila do SUS pode levar até 60 dias, nós conseguimos concluir todos os exames em cerca de 15 dias. Cada mulher que chega até nós é acolhida com respeito, carinho e prioridade”, ressalta.
A associação também promove palestras educativas e campanhas preventivas em empresas, igrejas e escolas, levando informação a comunidades em situação de vulnerabilidade. “Ainda há muita desinformação. Às vezes, uma paciente com tumor grande é orientada no posto de saúde a aguardar a consulta com mastologista, quando na verdade deveria ser encaminhada direto à oncologia. Esse tipo de erro custa tempo e vidas”, alerta Luci.
A ABAC Luz também mantém um espaço de apoio emocional e reabilitação, com doações de perucas, lenços, kits de higiene, almofadas anatômicas e ações comemorativas que resgatam a autoestima. “Cuidar da mente é tão importante quanto tratar o corpo. As mulheres que chegam aqui encontram não só exames, mas também acolhimento, fé e esperança. Esse é o verdadeiro sentido do nosso trabalho”, completa Luci Ishii.
Histórias de coragem e recomeço
Entre as mulheres que transformaram o diagnóstico em exemplo de superação está a farmacêutica Ana Paula Pereira, 45 anos, que descobriu o câncer de mama em janeiro de 2023. Mãe de um menino de 10 anos, ela enfrentou o diagnóstico em meio ao luto pela perda da mãe e à instabilidade profissional, após ser demitida do trabalho durante o início do tratamento. Apesar das adversidades, ela transformou a dor em superação. “Eu me sinto uma fênix. Descobri o câncer, mas também descobri o amor próprio. Hoje sou uma mulher muito mais forte e grata pela vida”, afirma.
Ana Paula foi acolhida pela associação ABAC Luz por meio da doutora Luci Ishii, que conduziu seu atendimento desde o diagnóstico. “Fui encaminhada à doutora Luci por uma amiga que também havia enfrentado o câncer. Ela me atendeu no outro dia, na Oncoclínicas de Taguatinga, e me apresentou a associação, explicando que ajudava mulheres a realizar exames e iniciar o tratamento. A associação custeou praticamente todos os meus exames, cintilografia, tomografia, ressonância e agilizou tudo com muito carinho e eficiência”, relembra.
Hoje, Ana Paula diz que se sente uma fênix, pois renasceu das cinzas. “O câncer me ensinou o que realmente importa.Minha cirurgia será feita neste mês. Fecho este ciclo fazendo a reconstrução da mama. Estou muito feliz”, conta Ana Paula.



A dona de casa e estudante de Nutrição Kyonia Mesquita de Araújo Silva, de 43 anos, também encontrou forças na fé e na solidariedade. Ela descobriu o câncer de mama durante um banho, ao realizar um autoexame. “Percebi que as duas mamas estavam inchadas há meses. Pensei que fosse gravidez. Quando desincharam, senti um nódulo pequeno e algo me disse que não era normal. No início, eu não queria acreditar, parecia que, se eu ignorasse, aquilo deixaria de existir. Mas a insistência da médica e o apoio da minha família foram decisivos”, conta.
Com o apoio da irmã, enfermeira, e da cunhada, médica, Kyonia iniciou os exames que confirmaram o diagnóstico de um câncer triplo negativo, tipo agressivo e de rápida proliferação. A médica que acompanhou o caso, a Dra. Luci Ishii, foi decisiva para o tratamento. “Ela me abraçou, arrumou meu cabelo e disse: ‘Eu vou te ajudar’. Aquilo foi mais do que um gesto médico, foi um gesto de amor”, lembra.
Aos 41 anos, a operadora de telemarketing Jaqueline Sousa Campos da Silva, moradora de Ceilândia, descobriu o câncer de mama em novembro de 2023, aos 39 anos, e hoje enfrenta uma recidiva na outra mama. Mesmo diante das dificuldades, ela transformou o tratamento em símbolo de força e propósito. “Receber o diagnóstico foi um momento de impacto e reflexão. Passei do medo à determinação. Decidi que enfrentaria tudo de forma leve e positiva, o câncer escolheu a garota errada”, conta.
Jaqueline é paciente oncológica assistida pela Associação Brasiliense de Apoio ao Paciente com Câncer e também integra o voluntariado da instituição, ajudando com ações de divulgação e apoio às atividades da ONG. “A ABAC Luz me ajudou muito, principalmente na pessoa da doutora Luci Ishii, que me acolheu desde o diagnóstico com exames, orientação e, acima de tudo, muito amor. Esse cuidado fez toda a diferença na minha caminhada. O câncer não é uma sentença de morte. É um propósito. Quero usar a minha história para inspirar e ajudar outras mulheres a não desistirem. Descobri uma força sobrenatural que eu jamais imaginei ter”, afirma com convicção.
A importância da informação jurídica que garante o tratamento

O advogado Juvenal Nery, especialista em Direito Médico, lembra que as mulheres diagnosticadas com câncer de mama têm uma série de direitos garantidos por lei, que vão desde o acesso gratuito ao tratamento pelo SUS até benefícios previdenciários e fiscais. “Essas garantias abrangem consultas, cirurgias, medicamentos, reconstrução mamária e estabilidade de 12 meses após o retorno ao trabalho. Também incluem isenção de impostos e prioridade no atendimento em repartições públicas”, explica.
Segundo o especialista, o papel do advogado é essencial para fazer valer esses direitos. “Infelizmente, o Estado nem sempre cumpre sua obrigação constitucional de garantir saúde. Cabe ao profissional especializado intermediar, orientar e, quando necessário, acionar o Judiciário para assegurar que essas mulheres recebam tratamento completo e sem interrupções”, afirma.
Já a advogada Vanessa de Medeiros Fernandes, especializada em Direito à Saúde e Oncologia, reforça que o registro formal de negativas de planos de saúde é o primeiro passo para garantir o acesso ao tratamento. “Toda negativa deve ser feita por escrito, conforme determina a Resolução nº 395/2016 da ANS. Sem esse documento, é difícil comprovar o descumprimento e buscar reparação”, alerta.
A profissional orienta que, em caso de negativa, a paciente envie imediatamente um e-mail para a ANS e para a ouvidoria do plano, anexando o relatório médico e o contrato. “Muitas vezes, essa simples ação evita a judicialização e acelera o início do tratamento”, explica. No SUS, ela lembra que os prazos também são legais: 30 dias para o diagnóstico e 60 para o início da terapia, conforme a legislação federal.
A advogada destaca ainda o descumprimento frequente das leis oncológicas e a necessidade de atuação jurídica firme. “Negar um exame, cirurgia ou medicamento é violar um direito fundamental. O Judiciário tem garantido acesso até a medicamentos fora do rol da ANS, desde que haja indicação médica. Lutar por esses direitos não é um favor é cidadania”, reforça.
Atuação jurídica voluntária fortalece a rede de apoio às mulheres com câncer

Em Águas Claras, a Comissão de Direito Médico e da Saúde da OAB/DF, presidida pela advogada Priscila Lima Machado tem atuado como ponte entre pacientes e seus direitos. Ela explica que o oferece orientações jurídicas gratuitas para pessoas em tratamento contra o câncer e atua de forma voluntária na defesa dos direitos de pacientes do SUS e da saúde suplementar.
“Nossa comissão atua de maneira próxima da comunidade. Orientamos sobre benefícios previdenciários, acesso a medicamentos e tratamentos. Muitas mulheres sequer sabem que existe um Estatuto da Pessoa com Câncer em vigor. Nosso objetivo é garantir que ninguém fique sem tratamento por falta de informação ou orientação legal. Muitos pacientes desconhecem seus direitos e não sabem que o câncer é reconhecido por lei como uma deficiência, o que amplia os benefícios previdenciários e tributários disponíveis”, explica Priscila.
Segundo a presidente, a Comissão busca estar cada vez mais próxima da comunidade, participando de eventos, corridas e campanhas de conscientização. Entre as iniciativas da comissão está também a produção de um e-book gratuito com os principais direitos dos pacientes oncológicos, disponível online para toda a população. “O objetivo é empoderar o paciente. Queremos que ele saiba a quem recorrer, como registrar uma negativa e quais medidas pode tomar para garantir o início imediato do tratamento. A informação salva vidas”, ressalta Priscila.
Ela destaca ainda que a Comissão mantém parcerias com ONGs locais, como o Instituto Fabíola Constâncio, ABAC Luz, que dão apoio e auxílio às pacientes neste momento tão delicado. A presidente ressalta que qualquer advogado ativo pode integrar a comissão e contribuir. “Além de ajudar a comunidade, é um aprendizado para os profissionais que desejam atuar na área da saúde. Nosso compromisso é levar informação e acolhimento às mulheres.”
Apoio psicológico e autoestima
A psicóloga Natália Baião Diniz, especialista em Terapia Cognitivo-Comportamental, explica que o diagnóstico de câncer de mama é um evento traumático e desorganizador. “Ele interrompe o fluxo natural da vida e ativa um estado de ameaça e incerteza. De acordo com a Psicologia da Saúde, esse momento costuma desencadear um processo semelhante ao luto, com fases emocionais que envolvem choque, negação, raiva, medo, tristeza e, por fim, aceitação e adaptação”, explica.
A profissional afirma que durante o tratamento, muitas mulheres relatam sentir-se ‘marcadas’ pela doença, lidando com olhares de pena e com mudanças no papel familiar de cuidadora, passam a ser cuidadas. Essas vivências podem gerar sentimentos de inutilidade, culpa e perda de autonomia, que precisam ser acolhidos e trabalhados na psicoterapia.
Ela também destaca a importância da psicoeducação como ferramenta terapêutica durante o tratamento. “Quando a paciente entende o que está sentindo, ela consegue lidar melhor com o medo e a ansiedade. A terapia ajuda a resgatar o amor-próprio e a redefinir a feminilidade. A cura emocional é parte essencial do tratamento”, afirma a Dra. Natália.
“Reconstruir a identidade feminina após o câncer de mama não significa voltar a ser quem era antes, mas descobrir uma nova forma de ser mulher. É entender que a feminilidade não se resume ao corpo, mas à força, à ternura e à capacidade de se reinventar. O trabalho terapêutico convida a mulher a olhar para si com mais compaixão, a enxergar o corpo como aliado e a redescobrir sua beleza na coragem e na vida que resistem dentro dela.”
Perucas que resgatam autoestima e esperança

A solidariedade também ganha forma nas mãos da empresária Valderlene Fernandes Pedersoli, proprietária do salão Cabelo & Companhia, em Águas Claras. Ela é a idealizadora de um projeto social que confecciona perucas para mulheres em tratamento contra o câncer, uma missão que nasceu de uma vivência pessoal e de fé. “Esse projeto nasceu de uma experiência marcante: eu e minhas três irmãs enfrentamos o câncer. Já confeccionava perucas na minha loja, mas tudo mudou quando recebi a visita da Tania, uma voluntária do Hospital de Base, que pediu ajuda para criar perucas para uma ONG. Fiquei comovida e ofereci um curso gratuito para que ela aprendesse. Assim nasceu essa corrente de amor”, conta.
O gesto de solidariedade se multiplicou. Pouco tempo depois, Valderlene passou a atender pedidos da ONG Sara Mulher, de Águas Lindas (GO), e também do Hospital Regional de Taguatinga (HRT), onde uma de suas irmãs atuava como voluntária. O espaço também é parceiro da Associação Brasiliense de Apoio ao Paciente com Câncer (ABAC Luz). “Eu orei e entreguei nas mãos de Deus esse projeto, sentindo que era uma missão divina para mim nesta terra”, relata emocionada. Desde então, o salão já produziu aproximadamente 500 perucas, confeccionando quatro peças por semana, todas destinadas à doação.
Entre as mulheres que receberam esse gesto de carinho está Jaqueline Sousa Campos da Silva, paciente oncológica atendida pela ABAC Luz, que confeccionou sua peruca no salão durante o tratamento. “Me senti amada e acolhida. A Val e sua equipe foram maravilhosas comigo. Foi um gesto de amor em um momento em que eu mais precisava. Perder o cabelo pela segunda vez foi desafiador, mas elas conseguiram transformar essa fase com leveza, carinho e acolhimento”, ressalta Jaqueline.
A produção segue um processo artesanal e minucioso: seleção do cabelo, corte, criação da base, costura, estilização e finalização. Embora receba doações de cabelo, Valderlene arca com os custos de confecção e manutenção junto à sua própria equipe. “Cada peruca é feita com muito carinho, pensando em devolver às mulheres algo que o tratamento, por um tempo, tirou delas: a autoestima. Quando uma paciente se olha no espelho e sorri, eu sei que cumpri o propósito que Deus colocou na minha vida.”
Conheça o trabalhos das entrevistadores da matéria:
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