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Entenda o duplo homicídio da última quarta-feira em Águas Claras

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No dia em que seria internado pela família para tratar do quadro de esquizofrenia, Marcelo Ribeiro Gonçalves Ferreira, de 39 anos atacou os pais, Leila Ribeiro, de 71 anos, e Rubem Luiz, de 73, e a irmã, de 53, com uma faca. O casal não resistiu aos ferimentos e morreu. Já a irmã, atingida na costela, conseguiu se desvencilhar e fugir. O crime ocorreu na quarta-feira (24/2), em um edifício em Águas Claras. De acordo com a polícia e com relatos de vizinhos, o autor do ataque estaria em surto.

A irmã de Marcelo está internada no Hospital de Águas Claras, onde deu entrada com taquicardia e sangramento no tórax. A equipe médica fez um curativo na área da perfuração e a paciente não precisou passar por cirurgia. Ela segue internada em observação.

O homem foi levado para o Hospital Regional de Taguatinga (HRT), onde trata da condição psicológica. Preso em flagrante, ele será encaminhado à Delegacia de Polícia Especializada (DPE) quando receber alta. Segundo a delegada Laryssa Neves, da 21ª Delegacia de Polícia (Taguatinga Sul), Marcelo foi indiciado por duplo homicídio e tentativa de assassinato.

Gritos e medo

O caso chocou os moradores e funcionários do prédio, além de comerciantes da região. A Polícia Militar do DF foi chamada para atender a uma denúncia de violência doméstica. Mas, chegando ao local, o cenário era outro. “Parecia uma cena de filme mesmo. A casa toda revirada, o ambiente era pequeno. É bem chocante”, afirmou Laryssa Neves. “Ele estava em ataque, não dá para precisar se queria matar, estava em crise, provavelmente, até agora ele não deve ter entendido o que aconteceu.”

Testemunhas narram que o momento das mortes foi precedido por pedidos de socorro, desespero e pânico. “Eu estava no elevador quando ouvi os gritos. Não sabia o que estava havendo, mas corri para a portaria a fim de pedir ajuda”, contou uma moradora.

Os chamados também foram ouvidos por outra vizinha, a comerciante Creisiane Konrad, 44. Ela estava no elevador. Quando as portas se abriram no segundo andar, ela não viu nada, mas escutou o barulho. “Só ouvia ‘socorro’. Foi um desespero. Você imagina tudo, mas imaginar que o filho vai matar pai e mãe é meio complicado”, descreveu. Ela desceu até o térreo e alertou os funcionários de que algo errado estava acontecendo.

Enquanto Creisiane ligava para a polícia, a irmã de Marcelo chegou à portaria. Com a lateral do corpo sangrando, ela alertou que o irmão iria matar os pais e pediu ajuda. O porteiro subiu ao pavimento e encontrou a mãe no corredor e as paredes ensaguentadas. O pai estava desfalecido perto da janela, e o autor das facadas, deitado no sofá, aguardando a chegada da polícia.

Para os policiais, a mulher tentou escapar e não conseguiu. Enquanto isso, embaixo do prédio, o cunhado de Marcelo chegou para resgatar a esposa. Foi ele quem a levou para o hospital. Quinze minutos depois, a Polícia Militar chegou ao prédio. O pai ainda tinha a faca cravada no pescoço.

A irmã do autor foi vista correndo, ensanguentada, pelos corredores, por outros moradores. “Logo ela chegou coberta de sangue na portaria. Todos ficamos com medo, pois ainda não sabíamos que ele havia sido detido. Muita gente preferiu ficar dentro dos seus apartamentos, trancados”, lembrou uma testemunha.

Histórico

Marcelo morava no edifício há cerca de seis meses, e, até terça-feira (23/2), não havia registros de qualquer conflito. “Ele era bem reservado, mas nunca tinha tido problema nenhum”, disse o encarregado Felipe Silva.

Uma outra moradora contou ao Correio, sob a condição de anonimato, que o rapaz tinha perfil discreto. “Ele era muito quieto, nem cumprimentava dentro do elevador”, relatou. Vizinhos também dizem que o autor não era visto nas reuniões de condomínio e eventos coletivos do residencial.

Mas, na terça-feira (23/2), uma outra situação chamou a atenção dos servidores do edifício. Pela manhã, o rapaz subiu e desceu as escadas várias vezes e depois saiu correndo pela rua. Ele passou mal e caiu no chão em frente a um supermercado, se debatendo. A enfermeira Lana Figueiredo, que estacionava o carro no local, o socorreu.

“Minha bolsa arrebentou, mas fiz um juramento e tenho que ajudar. Ele estava se debatendo, associei aquilo a uma crise convulsiva, o coloquei de lado, levantei a cabeça para poder oxigenar o cérebro. Quando vi a pulsação e que ele não respondia, fiz massagem cardíaca e ele começou a ficar sinótico, com a boca roxa, quadro de parada cardíaca”, detalhou. Várias transeuntes se aglomeraram em volta do rapaz para verificar como ele estava.

Diante disso, a família foi avisada, e os pais, que moravam em Goiânia, vieram prestar assistência ao filho, na intenção de interná-lo no dia seguinte. Lana chegou a conversar com o pai dele. “Falei por telefone com o pai, que disse que ele era esquizofrênico e tomava medicamento. Mas a dose era de 10 mg, muito baixa para quem tinha um quadro como o dele”, ponderou.

A delegada do caso informou que Marcelo não estava tomando a medicação quando teve a crise. Laryssa Neves acrescentou que ele tem um histórico de surtos, mas nenhum relacionado a episódios de violência. Aos 18 anos, chegou a ser internado no Rio de Janeiro — onde os pais moravam à época. Ele, aliás, decidiu ficar em Brasília quando os pais se mudaram para Goiânia. A irmã que estava no momento do crime também mora no DF. O casal tem mais dois filhos, residentes na capital goiana.

Violência em surtos é rara, dizem médicos

Preso em flagrante, homem de 39 anos foi levado ao Hospital Regional de Taguatinga (HRT) -  (crédito: Ed Alves/CB/D.A Press)crédito: Ed Alves/CB/D.A Press

Fábio Aurélio Leite, médico psiquiatra do Hospital Santa Lúcia Norte e membro titular da Sociedade Brasileira de Psiquiatria, explica que pacientes esquizofrênicos não costumam ser agressivos. “Esse foi um caso de exceção. Há diversos esquizofrênicos com a vida absolutamente próxima à normalidade, desde que tratados de forma adequada. É importante destacar isso para que as pessoas não tenham preconceito e achem que, por ser esquizofrênica, a pessoa é homicida ou perigosa. Foi uma fatalidade”, lamentou o médico.

O psiquiatra chamou a atenção para a necessidade de acompanhamento adequado. “O tratamento, hoje, envolve um arsenal terapêutico bem rico, com medicamentos com baixos efeitos colaterais e alta tolerabilidade”, avaliou. “Infelizmente, via de regra, são medicamentos de custo elevado. Alguns são disponibilizados pelo governo e outros não”, contrapôs.

“Uma das questões mais importantes é a recaída. Ficar sem tomar o remédio é muito perigoso, porque pode levar a surtos, inclusive com desfechos trágicos, como esse caso de Águas Claras. Hoje, temos medicamentos injetáveis e com liberação controlada, tomados a cada mês ou com intervalos maiores, não havendo risco de interromper o uso, porque, com o comprimido, pode não haver a admissão correta, alguns pacientes, por exemplo, às vezes fingem que tomaram o remédio. Os injetáveis, então, fazem com que a pessoa mantenha boa adesão ao medicamento, sem risco de interrupção”, completou Fábio Aurélio Leite.

Anibal Okamoto Jr, médico psiquiatra pela Universidade de Brasília (UnB), afirma que, para uma pessoa que tem um surto psicótico chegar nesse ponto de violência, o comprometimento comportamental é grave. “É difícil saber os detalhes do episódio sem avaliar o paciente ou o histórico médico. Mas, geralmente, uma pessoa em surto psicótico tem delírio e/ou alucinações. Ela pode escutar vozes que falam pra ela matar, achar que os pais estão a ameaçando, concluir que os pais foram trocados por pessoas desconhecidas, etc. Esses delírios fazem com que o paciente se descole da realidade”, detalhou.

Segundo o especialista, provavelmente, o rapaz não estava tomando os remédios de forma correta, o que teria agravado o quadro. “Quando a pessoa não toma as medicações, o delírio pode voltar e o paciente pode achar que tem alguém o perseguindo, pensar que todas as pessoas ao redor estão contra ele e até mesmo achar que o remédio é veneno e acabar não ingerindo a medicação. Por isso, esses pacientes precisam sempre procurar ajuda especializada como psicólogos e psiquiatras para que possam realizar o tratamento de forma eficaz para evitar as recaídas e os novos surtos”, frisou.

O médico dá dicas sobre como proceder em casos como esse. De acordo com o psiquiatra, no caso das vítimas, é importante que elas não confrontem o paciente. Caso contrário, pode haver o agravamento da situação. “Outro ponto fundamental é garantir a própria segurança. Chame um vizinho, chame a polícia, chame alguém que possa te auxiliar e até mesmo saia do ambiente. Se o paciente estiver armado, por exemplo, priorize sua própria segurança. Caso a situação esteja um pouco controlada, tente conversar com a pessoa de forma calma e tranquila enquanto procura ajuda profissional”, orientou.

*Fonte Correio Braziliense

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