Campanha em Águas Claras mobiliza urologistas, psicólogos e novos dados nacionais para reforçar que prevenção e saúde emocional precisam durar o ano inteiro.
Novembro chega iluminando Águas Claras de azul e reforçando um alerta que ainda encontra resistência entre muitos homens. O cuidado preventivo com a saúde, especialmente com o câncer de próstata, segundo tipo de câncer mais frequente entre a população masculina no país, permanece como um desafio. No Distrito Federal, hospitais públicos e privados registram aumento na procura por exames durante o mês da campanha. Mesmo assim, especialistas afirmam que a principal dificuldade é manter essa atenção ao longo de todo o ano.

O urologista de Águas Claras destaca que tabu, desinformação e medo ainda afastam muitos homens dos exames.
A resistência masculina aos cuidados preventivos, incluindo PSA e toque retal, é um obstáculo diário no consultório. Para o urologista Ricardo Ferro, do Hospital Brasília Águas Claras, vários fatores se somam. Ele explica que falta de informação, estigma ligado à vulnerabilidade, medo do diagnóstico, horários inadequados e dificuldade de acesso influenciam diretamente a baixa adesão. Muitos homens não entendem o que é o PSA, não conhecem seus riscos e benefícios e adiam o cuidado.
O especialista observa que pesquisas nacionais e internacionais mostram que ações de comunicação simples, acolhedoras e objetivas funcionam melhor do que abordagens excessivamente técnicas. Ele afirma que a experiência local confirma esse padrão, já que campanhas ativas em Águas Claras aumentam os agendamentos em novembro, embora o efeito não se mantenha de forma homogênea ao longo do ano.
O urologista também lembra que o Novembro Azul ampliou seu foco e agora aborda a saúde masculina de maneira mais abrangente, incluindo avaliações cardiovasculares, acompanhamento de diabetes, obesidade e tabagismo, além de saúde mental, educação em sexualidade e disfunção erétil. Ele reforça que intervenções que combinam educação, acesso facilitado e acolhimento são as que apresentam melhores resultados.
O impacto emocional do diagnóstico ainda é pouco discutido. Muitos homens acreditam que não devem demonstrar sofrimento. Para compreender essa dimensão psicológica, a psicóloga clínica de Águas Claras Patrícia Melo, que acompanha pacientes homens e viveu na própria família a experiência do câncer de próstata com o pai, explica que homens foram ensinados a não expressar medo ou fragilidade. Ao receberem um diagnóstico como esse, uma avalanche emocional surge e muitas vezes eles não conseguem nomear o que sentem. A ligação simbólica da próstata com masculinidade e sexualidade reforça ainda mais o tabu.

A psicóloga destaca que o adoecimento afeta todo o grupo familiar. A família pode viver ansiedade, preocupação e até culpa. Na psicoterapia, o objetivo é ajudar cada pessoa a acolher suas vulnerabilidades e a reconstruir a ideia de força.
Ela explica que, desde cedo, meninos crescem ouvindo que precisam ser fortes e autossuficientes. Isso contribui para que muitos homens evitem procurar ajuda, falar sobre o próprio corpo ou buscar um urologista. Essa criação mantém viva a resistência ao cuidado preventivo e alimenta o preconceito relacionado ao toque retal.
A experiência pessoal com um ente querido muito próximo que enfrentou o câncer de próstata moldou a atuação clínica da psicóloga. O processo trouxe aprendizados sobre presença, escuta e sensibilidade e evidenciou que o diagnóstico ultrapassa o campo biológico, alcançando dimensões emocionais e identitárias. Hoje, essa vivência se reflete em um atendimento integral que também inclui as famílias, que frequentemente carregam angústias e inseguranças durante o tratamento.
O acompanhamento psicológico é importante em todas as fases. Durante o tratamento, o foco costuma estar no enfrentamento do medo, nas mudanças corporais e nas questões relacionadas à sexualidade. No período posterior, o trabalho se volta à reconstrução da identidade, ajudando o paciente a retomar projetos, ressignificar a própria história e compreender que a doença não define quem ele é.
A psicóloga reconhece que campanhas anuais como o Novembro Azul ampliam o diálogo e facilitam o acesso à informação. Ela afirma que essas ações abrem portas para conversas importantes, embora exista um longo caminho pela frente. Segundo ela, é necessário educar meninos para expressarem sentimentos e incentivar homens a se cuidarem durante todo o ano, e não apenas em novembro.
Os dados nacionais mais recentes revelam tendências que também se refletem no Distrito Federal e em Águas Claras. A procura por urologistas e por exames preventivos cresce tanto na rede privada quanto nos serviços conveniados.
O Ministério da Saúde registrou aumento de 32% nos atendimentos de homens com até 49 anos para tratamento de câncer de próstata entre 2020 e 2024. Em 2020 foram 2.500 assistências e em 2024 foram 3.300.
No Distrito Federal, hospitais de referência relatam movimento semelhante. Embora Brasília concentre o maior volume de atendimentos, Águas Claras apresenta aumento anual na busca por urologistas, sobretudo na rede privada.
Entre os pacientes mais jovens atendidos no SUS, as proporções observadas são as seguintes. Quimioterapia entre 84% e 85%. Cirurgia oncológica entre 10% e 12%. Radioterapia entre 3% e 4%. No DF, os percentuais são semelhantes, de acordo com diretrizes clínicas adotadas tanto na rede pública quanto na privada.
Especialistas explicam que o aumento dos atendimentos está diretamente relacionado à maior procura espontânea por urologistas, à ampliação da rede de assistência, ao avanço das informações sobre saúde masculina e à redução gradual do preconceito que historicamente afasta os homens dos consultórios.
Quando diagnosticado precocemente, o câncer de próstata apresenta 90% de chance de cura, segundo estimativas clínicas amplamente utilizadas por urologistas. Nas fases avançadas, a doença costuma provocar sintomas como urinar com frequência, jato fraco, sangue na urina ou no sêmen e dor na pelve, nos quadris ou na coluna. Em estágio inicial, porém, geralmente é silencioso.
Os fatores de risco mais reconhecidos incluem idade, histórico familiar, obesidade, tabagismo e sedentarismo. Diretrizes adotadas nacionalmente e também utilizadas no Distrito Federal recomendam que homens com histórico familiar iniciem o rastreamento aos 40 anos. Os demais devem começar aos 50, com PSA e toque retal como principais ferramentas de triagem.
No panorama nacional, o câncer de próstata é o segundo tipo de câncer mais frequente entre homens no Brasil, ficando atrás apenas do câncer de pele não melanoma.
Cuidar de si é um ato de coragem
Em Águas Claras, onde a população masculina adulta cresce a cada ano, ampliar o acesso à informação e ao atendimento urológico é fundamental. A campanha Novembro Azul reforça essa mensagem, embora especialistas alertem que prevenção precisa ser rotina e não apenas um compromisso anual.
O urologista Ricardo Ferro resume afirmando que homens que se cuidam vivem mais e vivem melhor e que informação salva vidas.
A psicóloga da cidade acrescenta que pedir ajuda também é um ato de coragem e que é necessário ensinar isso aos meninos e lembrar disso aos homens.







