Quando eu paro para pensar que alguém um dia imaginou construir uma cidade saindo do zero, sinto como se fosse coisa de filme de ficção.
Quando criança, lembro de ouvir falar que Brasília era uma cidade planejada e com setores bem organizados, ruas limpas, árvores aos montes e pessoas vindas de todas as partes do Brasil. Imagino as pessoas chegando com suas famílias no meio do nada, sem muita ou quase nenhuma estrutura, trabalhando dia e noite para construir uma cidade imaginária.
Como deve ter sido difícil e ao mesmo tempo gratificante fazer parte dessa história que mudou o Brasil. Tenho profunda admiração por esses aventureiros que sem medo e com muito trabalho vieram, acreditaram e venceram.
Nem nos meus sonhos mais intranquilos eu imaginei morar aqui um dia.
Hoje, doze anos depois, já consigo decifrar os códigos que escondem endereços, diferenciar as quadras comerciais e percorrer, sem medo de errar, asas, eixos e tesourinhas.
Brasília é surpreendente em vários aspectos. Por aqui o clima é bem definido: ou chove ou faz sol. A comida é uma mistura de pão de queijo com churrasco de carne seca e feijoada. Isso dá um baião de cinco com sotaque carioca incrível. Só não consigo entender pizza com ketchup, como boa paulista.
O legal de morar aqui é conseguir cumprir horário, almoçar em casa, correr no parque e criar cachorros. Brasília é uma cidade tão esparramada que permite que eu tenha quintal com árvore de fruta. Manga é o que não falta. Deveria ser patrimônio da capital federal.
Uma coisa que eu gosto em Brasília são as feiras e eventos nos parques e praças. São muito originais e culturalmente ricos. Como estamos longe do mar, nossa praia é a orla do Paranoá e seus infinitos clubes. Estar perto da água é sempre bom, mesmo que seja água doce e sem o gosto do sal.
Mas Brasília também é uma cidade excludente. Pessoas que não tem carro ficam de fora do plano piloto. É praticamente impossível sair a pé por aqui. Poucos tem acesso a única linha de metrô e o transporte público é sofrível e caro. Isso quer dizer que não há mistura de gente. As pessoas acabam ficando perto de onde moram e se divertem com o que tem .
Pode reparar que não se vê favela ou moradores de rua com frequência, se comparar com outras capitais. Isso porque Brasília deu um jeitinho de esconder essas pessoas. Mas elas existem. Dizem que o entorno de Brasília é mais ou quase tão violento quanto as periferias das grandes cidades. Sinal que o famoso céu de Brasília, por mais que tenha o tamanho de toda a terra, não é colorido para todo mundo.
Brasília tem cidadãos ilustres que ganharam o mundo. Renato Russo, talvez o mais famoso deles, não faz a minha cabeça. Mas é unanimidade por aqui. Conhecida como a cidade berço de várias bandas de rock, Brasília deu projeção para muita gente boa. E tenho certeza que continua fazendo e exportando cultura de qualidade.
E por ter mais futuro do que passado, Brasília é uma jovem senhora em construção. Ainda há muito que se fazer. E muito a melhorar. Como seremos daqui a sessenta anos, depende do que estamos fazendo de bom agora.
Brasília é a cidade de todos nós, cuja identidade maior não é ser brasiliense. Mas ser brasileira.
(stella.domenico@hotmail.com)